Sporting – Um caso sério de transformação

Como é que uma organização passa de seguidora a líder?

Clubismos à parte, a história recente do Sporting Clube de Portugal é um exemplo fascinante do impacto de uma transformação organizacional bem sucedida.

Como líder, empresário e coach, sou naturalmente curioso com este tipo de histórias que nos inspiram a todos os que têm responsabilidades de liderança.

O Sporting é campeão 2020/21 após um jejum de 19 anos. Terminou esta temporada com um registo impressionante de vitórias e com apenas uma derrota, frente ao seu eterno rival Benfica, na penúltima jornada (já na condição de campeão). São resultados incríveis para qualquer clube e até para qualquer organização. Para além do futebol profissional, as várias modalidades do Sporting também conseguiram resultados fantásticos, como a conquista da Champions pela equipa de Futsal e da Liga Europeia de Hóquei em Patins.

Acredito que os resultados e as conquistas são o fruto visível de uma mistura entre o ambiente exterior que não se controla e a identidade de uma organização. Ora, “quem conhece o fruto, também conhece a árvore”. E é através da árvore que podemos extrair as pistas que nos podem ajudar a transformar as nossas próprias organizações.

O Sporting conseguiu passar de seguidora a líder. E a sua organização também pode conseguir!

Muito provavelmente, o ponto de partida para a transformação do Sporting, era pior do que a sua empresa.

Frederico Varandas, médico militar, ganha as eleições no dia 9 de setembro de 2018. Chega a um clube que praticamente só disputava o terceiro lugar nas últimas 16 temporadas. Sucede à liderança de Bruno de Carvalho, um presidente com interesses duvidosos, acusado de incentivar as suas claques, de intimidar psicológica e fisicamente os seus jogadores, ao acreditar, inconscientemente, que a pressão e o medo eram necessárias para o sucesso.

Os resultados, consistentemente fracos, as alterações de treinadores ou jogadores teimavam em resultar. Mesmo com Varandas como presidente, em apenas 3 anos, o Sporting teve 6 treinadores e vendeu vários jogadores-chave. Na última temporada, 2019/20, contratou Rúben Amorim ao Sporting de Braga, um dos treinadores mais jovens e o mais caro de sempre em Portugal, e terminou em 4º lugar, precisamente atrás do Braga.

Reforço que o ponto de partida não deve ser muito pior do que o da sua organização atualmente.

Então, como foi possível passar deste estado para a situação atual?

Não fazendo eu parte dos quadros do Sporting Clube de Portugal, nem tendo acesso a informações privilegiadas, recorro-me apenas da minha experiência como coach especialista em transformação organizacional para deduzir o que creio ter acontecido, discretamente, à margem dos holofotes e da comunicação social.

Vou começar com uma pequena descrição do perfil do “general”. Quem é ele?

Frederico Varandas é oriundo de uma família sportinguista e sócio do clube desde criança. É formado em medicina com especialização em Medicina Física e de Reabilitação e em Medicina Desportiva. Chegou a Capitão do Exército Português e foi louvado e condecorado com várias medalhas pelo seu serviço. Começou a carreira no futebol em 2007 no Vitória de Setúbal e em 2011 foi para o Sporting como médico da equipa dos juniores. Em apenas um mês assumiu a liderança do departamento clínico do clube.

Pelo seu percurso de vida, olho para Varandas como um líder natural pelo serviço aos outros. É bem formado, inteligente e atento às necessidades das pessoas à sua volta. Possivelmente, a par do seu amor ao Sporting, foi este sentido de responsabilidade para com os outros, e em especial para com o seu clube, que o motivou a candidatar-se a líder máximo. Pela primeira vez em muito tempo, parece que o Sporting tem um presidente que vem dos seus quadros e que põe os interesses do clube à frente dos seus.

Assim que assume a liderança em 2018, rapidamente se apercebe que a realidade leonina é bem diferente do que a que qualquer sócio tinha acesso. Os fracos resultados desportivos dos últimos anos, a par da gestão danosa e pouco transparente de alguns dirigentes anteriores, e ainda a péssima credibilidade junto dos bancos e investidores, levaram Varandas a encontrar o clube numa situação de emergência financeira. Antes de qualquer visão inspiradora ou discursos motivacionais, era urgente ter consciência da verdadeira situação e restaurar a confiança com os credores e acionistas para sair do estado de emergência. Ao mesmo tempo que o “presidente-médico” estava ocupado a estancar as várias hemorragias, os campeonatos das várias modalidades prosseguiam com os seus calendários.

Na sua primeira temporada como presidente (2018/19) e a lamber as feridas da crise em que o clube estava mergulhado, viu o seu Sporting conquistar vários títulos: destaca-se a Taça de Portugal e a Taça da Liga (com o treinador Marcel Keizer).

Um ano bastou para restaurar a credibilidade e atingir a estabilidade necessária para dar o próximo passo: definir um rumo.

Afinal qual é o propósito de um clube como o Sporting? Qual é o significado que devemos atribuir a tudo o que fazemos?

Com mais de 100 anos de existência, a resposta estava precisamente na sua história:

“O principal objectivo do Sporting Clube de Portugal são as vitórias em todas as competições que disputa, contribuindo assim para dar as maiores alegrias a todo o Universo Sportinguista. O respeito pela tradição do Clube, pelos Sócios (indiscutivelmente, o seu maior património) e pelo desporto em geral são três pilares que o Clube sempre honrará e que o seu próprio lema bem retrata ‘Esforço, Dedicação, Devoção e Glória’.”

Não foi preciso inventar nada. Só recuperar as bases que levaram à Glória do passado e transportá-las para a Glória do futuro.

O Sporting tem de volta uma missão clara: “Respeitar a tradição do Clube, os sócios e o desporto em geral, utilizando o nosso Esforço, Dedicação, Devoção e Glória de forma a contribuir para dar as maiores alegrias a todo o Universo Sportinguista.”

A visão inspiradora totalmente alinhada com a sua missão? “Ganhar todas as competições em que disputa!”

Com a missão e visão claramente definidas, passa a existir uma única direção onde são canalizadas todas as energias e foco. O grande desafio é quando existem crenças inconscientemente enraizadas que limitam o clube de seguir este rumo. Crenças essas que podem ter vindo com antigos dirigentes ou jogadores e que influenciaram a cultura que, por sua vez, teve um impacto direto na forma como se tomavam decisões, nos hábitos do dia-a-dia e na contratação/gestão dos elementos da estrutura.

Neste campo, o tipo de liderança tem um impacto enorme nas convicções que formam uma cultura saudável. É diferente ter um líder como Frederico Varandas que acredita que o exemplo é a única forma de liderança, que olha para dentro quando as coisas correm mal, e olha para a sua equipa quando as coisas correm bem. Ou ter um líder movido pela vaidade que aparece para receber todos os louros quando as coisas correm bem mas que se esconde entre desculpas e justificações quando as coisas correm mal.

Outra convicção que considero ter sido responsável pelo sucesso do clube tem a ver com a aposta na Academia. Apesar de ter sido sempre um local de trabalho e treino de excelência, há muitos anos que o Sporting não tinha uma equipa no escalão principal com tantos jovens formados na sua academia. Fosse pelos constrangimentos financeiros de contratar novos jogadores mais experientes ou pelo notório talento presente na Academia, a verdade é que o clube deu nova força à crença na sua formação. Passou novamente a acreditar que a sustentabilidade financeira e desportiva vem da captação de jovens talentos pelas Escolas do Sporting e pela formação na sua excelente Academia. Sem qualquer reserva!

Um líder sozinho não é capaz de implementar uma transformação desta dimensão sem a estreita colaboração e alinhamento de todos os elementos-chave do clube.

Em setembro de 2018, com apenas 34 anos, o ex-jogador Hugo Viana regressa ao Sporting como Diretor e Relações Internacionais e passados 4 meses assume a importante pasta da Direção Desportiva em conjunto com Beto, também ele antigo jogador que dedicou mais de 17 anos ao seu clube de coração.

Desde que chegou, Hugo Viana teve uma forte influência na equipa, estando sempre muito próximo dos jogadores e dos treinadores. A escolha do “treinador certo” foi uma missão que teve desde logo em mãos e foram várias as tentativas até chegar ao grande protagonista desta temporada. A poucos dias de ser decretado o primeiro estado de emergência desta pandemia, em março de 2020, é anunciada a contratação de Rúben Amorim ao Sporting de Braga, o quarto treinador da época. O Sporting bateu a cláusula de rescisão e pagou 10 milhões de euros, tornando-o no terceiro treinador mais caro do mundo.

Com um resto de campeonato em que já pouco havia para lutar, esta notícia caiu que nem uma bomba no universo sportinguista. Foi muito difícil compreender a lógica deste investimento, especialmente porque estávamos todos habituados a ver estas mudanças como uma possível cura milagrosa de curto-prazo.

Mas claramente não foi este o tipo de decisão, como o são a maioria dos treinadores contratados.

E não foi por acaso que Varandas classificou o dia 4 de março de 2020 como o arranque da temporada 2020-21.

Aos olhos do presidente e de todo o corpo diretivo que aprovou a contratação, Rúben Amorim preenchia todos os requisitos para o perfil que o clube procurava. Apesar da pouca experiência como treinador (3 anos, dos quais apenas 3 meses como treinador de uma equipa da I Liga), os seus traços de personalidade e resultados faziam antever uma carreira promissora. Mas para o Sporting o que realmente importou foi a visão de Rúben Amorim na criação de valor através da aposta na formação e da “prata da casa”. No pouco tempo que esteve em Braga, foi isso que fez ao reforçar a aposta em Trincão que foi vendido mais tarde ao Barcelona por 30 milhões de euros. Amorim chega portanto ao Sporting com a missão de aproveitar todo o potencial dos jovens talentos formados por uma das melhores academias de futebol do mundo. A confiança na sua visão é a mesma confiança que tem nos jovens. Nunca em tão pouco tempo foram lançados tantos novos jogadores na equipa principal. Esta confiança depositada nos jogadores, reforça a própria autoconfiança de cada um destes jovens que agarram as maiores oportunidades das suas vidas como dificilmente um jogador mais experiente é capaz.

A cada nova jornada, assistimos à face visível da transformação interior de uma cultura cada vez mais saudável e vencedora. Com uma liderança clara assente nos valores do clube e movidos por uma missão e visão inspiradoras, o foco no dia-a-dia passa a ser a melhoria contínua. Para além da paixão pelo desporto e pelo clube, é criada uma nova paixão no clube: a paixão pelo processo de melhoria. Mais do que pelos resultados.

É a paixão pelo processo que dá a disciplina e a confiança necessárias para manterem focados na missão e visão, especialmente quando os resultados não surgem como desejariam.

Os resultados passam a ser vistos “apenas” como informações valiosas para a melhoria do processo e que não dependem exclusivamente do clube ou da equipa. O que depende exclusivamente do clube é o processo de alta performance que vai aumentar as probabilidades de atingir os resultados desejados.

Talvez possa ser difícil entender que a confiança e a motivação dos adversários em campo não dependam do Sporting. Mas é fácil entender que os resultados dos seus adversários diretos nos outros jogos não tiveram qualquer interferência do Sporting. Obviamente foi necessário que todas as outras equipas, especialmente o Benfica e o Porto perdessem pontos ao longo do campeonato para que o Sporting se sagrasse campeão 19 anos depois. Poderia até acontecer que mesmo com a excelente temporada e todos os records que alcançaram, no fim não ficassem em primeiro lugar. Mas seria uma questão de paciência e consistência até que a alta-performance gerasse os resultados tão merecidos.

Escrevo esta história de sucesso porque acredito que ela nos dá fortes motivos para iniciarmos a transformação nas nossas empresas. Independentemente da maior ou menor simpatia ao Sporting, é inegável a grande transformação alcançada sob a liderança de Frederico Varandas.

É um testemunho real e bem próximo de que um alinhamento total entre missão, visão, valores, processos e pessoas, gera maiores níveis de confiança e energia que levam ao “estado de fluxo” ou “alta-performance” e que por sua vez é responsável por se atingir maiores resultados com mais ou menos paciência.

Mais do que a celebração dos vários títulos, orgulho-me especialmente pela renovada identidade criada assente na fundação do clube do meu coração!

Saudações leoninas,

Bernardo Castro

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