Crónica nº2 “O Jovem e o Mar” publicado na Revista de Marinha
No dia 20 deste mês completam-se sete anos desde o falecimento do meu pai. Sete são também os mares e os oceanos, como consideram muitos navegantes (Pacífico Norte, Pacífico Sul, Atlântico Norte, Atlântico Sul, Índico, Ártico e Antártico). Também a minha empresa celebra sete anos de vida, pois, por grande coincidência, começou a atividade no dia da sua morte. Todos os anos gosto de partilhar algumas palavras pelo aniversário e é impossível não invocar a memória do meu pai.
Mas Deus deu-me esta gracinha e no sétimo aniversário da sua despedida quis que eu partilhasse umas palavras como cronista da Revista de Marinha, que o meu pai tanto admirava.
O meu pai, Fernando Ribeiro e Castro, era um verdadeiro apaixonado pelo Mar. Foi Oficial da Marinha, formado em Engenharia Naval com notas brilhantes, e nos últimos anos de vida foi Secretário-Geral do Fórum Empresarial da Economia do Mar, para além de ter pertencido à Confraria Marítima Portuguesa. Mas acima de tudo era um homem de família, pai de 13 filhos (sim, todos da minha mãe, Leonor) e um Skipper Exemplar.

Devo muito do que hoje mais valorizo ao meu pai. Seguramente foi dele que herdei a minha paixão pelo Mar. Após uma longa vida de total sacrifício em prol da família para que nada faltasse à sua enorme guarnição, finalmente aos 50 anos cumpriu o sonho de ser comandante da sua própria embarcação. O primeiro foi um veleiro de 20 pés, uns anos mais tarde, trocou por um de 30 pés, o “Wind II”, e já perto dos 60 anos, teve o seu último veleiro de 40 pés, com o nome sugerido pela minha mãe, “Eliefe” – de L&F, as iniciais de Fernando e Leonor.
Sendo um dos filhos mais novos, tive a sorte de acompanhar o meu pai em praticamente todas as viagens e aventuras. Eu deveria ter 14 anos quando o meu pai comprou o “Wind II”, um Ketch antigo, dos estaleiros da Westerly, o seu “primeiro navio” a sério, como ele orgulhosamente o chamava. Nessa altura, o irmão mais novo a seguir a mim, o Samuel, tinha 9 anos, e o mais velho a seguir a mim, o David, tinha 16 anos. E portanto, o Samuel ainda era muito novo para ser o único a ajudar nas manobras, e o David já tinha responsabilidades na comunidade e nos estudos que limitava a sua disponibilidade para vir connosco. Como costumo dizer, dos 13 filhos “calhou-me a fava” de ser o seu marinheiro todos os fins-de-semana. Mesmo que isso significasse ter de abdicar de uma vida social mais normal para um jovem da minha idade.
Em épocas de testes, os manuais eram levados para os passeios pelo Tejo até Cascais, na esperança de que pudessem ser abertos, o que não acontecia muitas vezes. A intenção estava lá, mas nem o meu pai, super exigente com as avaliações, se preocupava muito com isso. Os passeios à vela ao fim de semana e nas férias eram sagrados, tal como era a missa aos domingos, que não me recordo alguma vez termos faltado. Com o passar do tempo, fui ganhando cada vez mais experiência que fez aumentar cada vez mais esta paixão pelo Mar. Finalmente, aos 18 anos, decidi tirar a Carta de Patrão Local e inicio a minha nova vida como Skipper.
A partir daí, algo em mim me dizia que tinha de crescer rapidamente. Com toda a fé, arrisquei mais do que seria considerado sensato para um jovem da minha idade. Aos 19 anos o meu pai vê-me a criar a minha primeira empresa ligada ao Mar, aos 21 anos vê-me a casar com a mulher da minha vida, e aos 22 anos nasce a Sofia, a nossa primeira filha, e, portanto, vê-me a ser pai. É nessa altura que é diagnosticado o cancro do pulmão que lhe dá uma esperança de vida, com a qualidade possível, de apenas um ano e meio.

Um ano mais tarde, em agosto de 2013, celebrámos o aniversário da nossa filha numa barragem em Alcácer do Sal com o meu pai super bem-disposto! Nessa altura tinha tido uma melhoria repentina do seu estado de saúde que lhe deu a força suficiente para praticar o seu desporto favorito e passar horas a fio em cima da sua prancha de windsurf. Tal não era a sua confiança que não iria cair à água que levou calçadas, como sempre, as suas confortáveis, mas pesadíssimas chinelas. E a verdade é que regressava sempre a terra sem qualquer prova de ter ido à água, mas com as suas costas, que não conheciam o cheiro do protetor solar, todas pintadas de rosa vivo…
Os meses passaram até chegar o dia do Pai, um dia sempre especial. Mas este foi diferente porque foi o dia em que nos despedimos pela última vez. Quis Deus que a minha última memória fosse neste dia simbólico com ele tão feliz, e visivelmente em Paz. Se a paixão pelo Mar me foi sendo passada ao longo da minha adolescência, a maior herança estava reservada para o final.
Sete anos depois, penso pela primeira vez, que a minha pressa de crescimento me fez estar mais tranquilo e preparado para a sua morte. Nos dias seguintes fomos amparados por milhares de pessoas, que inspiradas pelo seu testemunho de vida, quiseram prestar uma última homenagem.
Como filho, não consigo imaginar melhor sentimento do que o brutal orgulho que senti nesses dias, e ainda o sinto, por ter tido um verdadeiro Skipper Exemplar como Pai.

Faz portanto sete anos que vivo das duas maiores heranças deixadas pelo meu Pai: da paixão pelo Mar e da determinação de viver como um Skipper Exemplar. Como pai, quero tanto que um dia as minhas 6 princesas se possam despedir de mim com o mesmo sentimento de orgulho e tenham elas também a vontade de viverem como Skippers Exemplares.