Crónica nº3 “O Jovem e o Mar” publicada na Revista de Marinha

“Não consegues ligar os pontos olhando para a frente; só consegues ligá-los olhando para trás. Então tens de confiar que os pontos se ligarão algum dia no futuro. Tens que confiar em algo – no teu instinto, destino, vida, carma, o que for. Esta abordagem nunca me desapontou, e fez toda diferença na minha vida. “
Steve Jobs
Olhando para trás, consigo identificar perfeitamente o ano em que me transformei na maior parte da pessoa que sou hoje.
Na minha vida há claramente um antes e depois dos meus 21 anos.
Até aos 21 anos fui uma criança e um jovem perfeitamente normal com responsabilidades que não iam muito além de estudar, ajudar nas tarefas de casa e ser marinheiro do meu pai nas férias e nos passeios de veleiro ao fim de semana.
Foi no verão de 2011 que o meu pai finalmente confiou em mim para levar o seu ELIEFE de Belém para Vilamoura. Nos últimos 3 anos tinha realizado vários transportes semelhantes como skipper ou como marinheiro, mas ainda não tinha surgido a oportunidade de o fazer como skipper no veleiro do meu pai. Acredito que não era tanto uma questão de confiança. Simplesmente o meu pai gostava mesmo de navegar e as viagens Lisboa – Algarve – Lisboa davam a sensação de entrada e saída de um ambiente paradisíaco em família, ao contrário de todo o stress normal do seu dia-a-dia.
Faltavam poucos dias para mais uma viagem de início de férias, quando o meu pai tomou consciência que aproveitava melhor as férias se o seu primeiro dia já fosse no Algarve, poupando as mais de 24 horas de navegação. E então já perto do dia marcado, o meu pai fez-me a tal proposta que acabou por definir grande parte do meu percurso de vida.
Não imaginam a alegria e o que significou para mim sentir que o meu pai confiava a sua “amante” (que na verdade também era minha, mas sem os elevados custos de manutenção que qualquer tipo de amante acarreta).

Nessa altura eu tinha uma pequena empresa que sonhava ser grande que se chama Sea Emotion. Foi a precursora da minha atual empresa e dedicava-se a organizar passeios e eventos náuticos, mas sem o forte espírito de missão que a Seaventy tem e que explica muito do seu sucesso. Assim que soube que ia fazer este transporte tão especial, apressei-me a criar um programa para rentabilizar a viagem que já ia fazer com alguns clientes que quisessem ter uma experiência destas. Promovi esta experiência pelas redes sociais e só uma pessoa aderiu. Foi a minha querida amiga Lara que conheci no Saint Dominic Gospel Choir, o maior coro de gospel do nosso país, que é dirigido pelo meu talentoso irmão João.
Num quente fim de tarde de agosto, o ELIEFE partia da Doca do Bom Sucesso com a sua tripulação composta pela minha amiga Lara, pelo meu irmão Lourenço, na altura com 11 anos, pela minha namorada Rita – hoje minha esposa e mãe das nossas 6 princesas, e por mim.
Não sei precisar o número de viagens ao Algarve que já fiz, mas foi para lá de muitas. Mas de nenhuma teve a carga emocional que me faz recordar tão viva e proximamente como esta.
A enorme excitação e alegria iniciais prolongaram-se por todas as horas dessa viagem. O motor não esteve ligado mais de 15 minutos, o suficiente para largar da doca, aproar ao vento e içar a vela grande. A seguir desenrolámos a genoa e lá fomos nós toda a noite ao sabor do vento e da vaga a uma média superior a 7 nós.
Pela manhã dobrámos o Cabo de São Vicente e a Ponta de Sagres e numa bolina sublime chegámos a Portimão. Só voltámos a ligar o motor já dentro da foz do Arade para arrumar as velas e almoçarmos fundeados em frente a Ferragudo.
Foi sem dúvida a melhor experiência no Mar que tive na minha vida. Pela autonomia que tive, por ser no veleiro do meu pai, pela companhia sempre animada e pela paz que só o Mar nos consegue transmitir.
No dia seguinte, largámos em direção a Vilamoura, o nosso destino final. Mas a caminho fundeámos em frente à praia dos Salgados para deixar a Lara com os seus amigos. Na breve apresentação aos seus amigos, fiquei a saber que tinham um veleiro na marina de Vilamoura que pouco usavam, especialmente desde que ficaram sem o seu skipper. Não era nada mais, nada menos que um Moody 56, um verdadeiro Rolls Royce dos mares. A viagem ainda ficou mais entusiasmante pois no dia seguinte iria conhecer este veleiro de luxo. Nessa visita, o Sr. Rui confiou-me o leme para darmos um delicioso passeio ao fim do dia com direito a mergulhos.

Foi assim que começou uma relação que dura até hoje com episódios altamente improváveis, de grande dor, mas também de grande alegria, desde esse dia que impactaram fortemente o rumo da minha vida. Pensava eu que já tinha vivido tudo nos meus 21 anos, mas ainda faltavam viver mais 8 meses. 8 meses que podiam ser 8 anos numa vida mais tranquila.
Ligando os pontos para trás, hoje dificilmente me sentiria tão realizado com a vida que tenho se o meu pai não me tivesse confiado o seu veleiro naquela viagem e se a minha amiga Lara não pudesse fazer a viagem connosco…
Mas com 21 anos não tive tanto esse discernimento. Mas há que ter fé e eu, graças a Deus, sou um homem de muita fé!
Saudações náuticas,
Bernardo Castro